sábado, 6 de fevereiro de 2010

Publicar ou não publicar?


Há um tempo escrevi algo relacionado com quadrinhos, peguei alguns textos e discussões sobre a republicação das histórias do tintim no Congo. Essa é só mais uma das minhas doideiras pra tentar relacionar textos. Não tenho todos os fragmentos dos quadrinhos, vou tentar encontrar e escanear, alguns estão nos links, mas acho que dá pra ter uma idéia do que eu estava querendo passar. Esse meu texto foi publicado no site quadrinho.com , mas fiz algumas novas mudanças. Veja:

Os textos Congolês apresenta queixa contra "Tintin no Congo" http://jn.sapo.pt/paginainicial/interior.aspx?content_id=706127 e “Tintim no País do Racismo?” http://euroquadrinhos.wordpress.com/2007/07/17/tintim-no-pais-do-racismo/ retratam o polêmico quadrinho “Tintim no Congo”.

O primeiro texto, de forma sucinta, apresenta denúncias racistas, porém coloca alguns argumentos de Hergé (criador de Tintim) afirmando ele não gostava dos colonialistas e que algumas vezes até denunciou o tráfico de escravos, isso acaba desviando um pouco o foco das denúncias. O segundo busca, em meio a tantos exemplos, justificar a atitude de Hergé, afirmando que não há nada de racismo, mas sim uma paternidade por parte do Tintim. Para desviar a atenção no que diz respeito ao racismo presente nos quadrinhos, o texto expõe problemas que, Pedro Bouça, autor do texto, diz que são muito mais relevantes, como a violência contra animais, que ele afirma ser muito mais chocante que o “paternalismo” de Tintim.

Os dois sites são europeus e podem apresentar uma visão européia e ligada a um sentimento imperialista e de soberania. Percebe-se também que há um extremo descaso na forma como as tirinhas foram retratadas pelas notícias. Os argumentos apresentados pelos autores do texto são muito vagos e não retratam historicamente o peso e as conseqüências do imperialismo nas nações por eles dominadas.

J.Hobsbawn (historiador marxista) coloca no capítulo 3 de "A Era dos Impérios", que o mundo havia se transformado em um "mundo dos impérios", onde os "avançados" dominavam os "atrasados". A África foi um dos continentes que mais sofreu naquele período, pois foi inteiramente recortada, repartida por diversos impérios europeus - não só belga, mas também francês, alemão, português e espanhol. E este recorte realizou-se de forma cruel por não respeitar as diferentes culturas presentes no continente.

A presença das locomotivas no primeiro quadro já revela uma das características do mundo naquele período, em que a ampliação da rede ferroviária era cada vez mais intensa e incorporava até países atrasados para torná-los mais acessíveis. Segundo Hobsbawn, devido ao desenvolvimento tecnológico, era necessária a matéria-prima. Então, os nativos do Congo submeteram-se à exploração para a extração da borracha encontrada nas florestas tropicais. Este abuso da mão-obra congolesa era rentável para os europeus já que os africanos eram "seres de fácil dominação" e não custava caro mantê-los. Apesar de todo este aspecto brutal de exploração, as tirinhas retratam apenas uma Bélgica que leva à África a civilidade, sem demonstrar os verdadeiros interesses e horrores cometidos no Congo.

Não há como negar o fato de que os nativos eram tratados como imbecis, preguiçosos, crianças. O modo como os nativos falam é representado de uma forma medíocre nas tirinhas. Hobsbawn mesmo, afirma que os não-europeus eram geralmente tratados como inferiores, indesejáveis, fracos e atrasados, ou mesmo infantis - eram objetos perfeitos de conquista.

Os quadrinhos ilustram notavelmente quão forte foi a divisão dos "avançados" e "atrasados", fortes fracos, apresentados por Hobsbawn. Até o cachorro europeu prontifica-se ajudar a levantar a locomotiva, enquanto os nativos são aparecem como fracos, preguiçosos e cansados. Nesse quadro, vemos o grau de superioridade branca, revelando o pensamento da época baseado no sentimento de superioridade do "civilizado" em relação ao "primitivo".

Hobsbawn afirma que a conquista colonial abriu o caminho para a ação missionária. Isso também é retratado nos quadros que mostram à Bélgica e ao mundo o "magnífico" empenho missionário no Congo. Exemplo disso é o trabalho do Padre de educação e saúde, o qual traz a ocidentalização, e junto a dependência, ao mundo "desenvolvido". A educação estilo ocidental apresentada por Hobsbawn é retratada pelos seguintes elementos que foram acrescentados à cultura daquele povo: a sala de aula, o comportamento baseado no silêncio, a lousa, as cadeiras e as carteiras.

Tintim, representando a superioridade da raça Belga, leva o conhecimento e a civilidade e os impõe aos nativos, difundindo um pensamento de não pertença àquela terra. O novo pensamento defende que a Bélgica seria a nova pátria para eles, a única verdadeira civilização. Ora, que paternalismo é esse que extermina a cultura, que impõe valores tão diferentes e que trata os nativos com tanta bagatela?

Se o que foi escrito expressa a mentalidade da época e Hergé era fruto dessa mentalidade, a republicação fere o sentimento daqueles que viram seus antepassados vítimas do impacto econômico, político e cultural do imperialismo Belga no Congo, que tem reflexos até hoje. A republicação é justificada para o estudo histórico e da obra, mas se o consumo do material é só para simples entretenimento, percebemos que o racismo está longe de ser um dos problemas extintos do mundo atual.



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